Traduzir expressões idiomáticas, cruel tarefa…

Desde os primórdios da Tradução que muitos se debruçaram sobre o que traduzir e, muito importante: como traduzir. Traduzir à palavra (ou literalmente) para manter a essência do texto de partida ou optar por traduzir pelo sentido para criar um texto de chegada mais natural.

A História nunca se entendeu até aos nossos dias e cada um puxa a brasa à sua sardinha, com as duas práticas ainda bem presentes nas cabeças dos nossos profissionais. Uma forma de tradução é mais segura porque pedala com o apoio das rodinhas do texto de partida, enquanto a outra pedala mais livre, mas mais propensa a acidentes. Não obstante, nunca se esqueçam do capacete!

 

Não há dúvida de que tudo se traduz. Afinal, estamos aqui mesmo para isso, mas volta e meia surge o romantismo de que existem expressões, ou palavras, que não se localizam; que não se devem localizar, porque perdem o significado. Muito recentemente, o tema voltou às redes sociais com a música “Saudade” que MARO levou à Eurovisão 2022 para representar Portugal. Esta canção fez muitas pessoas abraçarem-se a olhar perdidos para esses mares nunca antes navegados a dizer que saudade é muito nossa e que não há outra expressão ou tradução por esse mundo fora que reflita o que nos vai dentro. E é verdade, mas também não o é.

Saudade pode e é traduzido frequentemente para outros idiomas porque toda a gente sente saudade, mas não há dúvida que a nossa saudade vem de dentro e está bastante enraizada na nossa expressão cultural. E é daqui que nasce a dificuldade em traduzir estas expressões mais singulares – ou idiomáticas. A Dra. Mona Baker diz-nos no seu In Other Words que estas expressões são padrões congelados de um idioma com abertura para pouca ou nenhuma variação e frequentemente com significados que não podem ser extraídos de componentes individuais. As expressões idiomáticas estão intimamente ligadas à cultura do país e a sua aprendizagem tanto pode ser divertida como frustrante.

Em que outro país podemos dizer que algo foi Resvés Campo de Ourique? A menos que existam vários Campos de Ourique que escaparam milagrosamente de serem destruídos num terramoto de 1755, não conhecemos outros. Mas podemos ir com um Close shave. Pode não ter o mesmo poder ou prosa, mas o sentido está lá. Mais levianamente, um Close, but no cigar, mas que altera ligeiramente o sentido.
E quem nunca ouviu os dois clássicos: Trigo limpo, farinha Amparo para algo tão simples ou Sair a carta na farinha Amparo em alguém com uma terrível dificuldade em conduzir ou mau condutor. A mesma farinha presente na nossa cultura desde há muitos anos com significados bem diferentes. E como se podia localizar? Bem, até podíamos ir com um Piece of cake para a primeira e sempre consegue estar relacionada com o tema, mas falta-lhe algo…? Já a segunda, que tal um Getting a driver’s license in a Cracker Jack box? E esta é engraçada porque os doces Cracker Jack incluíam sempre brindes, portanto um mau condutor pode ter ganho uma carta de condução aí. Quanto a esta, não teríamos grandes problemas em traduzir, mas seria preciso uma ginástica cultural para lá chegar.

E depois temos outra questão: a da tradução automática. Já abordámos este tópico noutro artigo e comentámos que a máquina consegue traduzir facilmente um texto, troncando palavras por outras, mas sem quaisquer noções culturais ou emocionais que enriquecem uma tradução se forem devidamente adaptadas ao contexto de chegada.
A máquina consegue traduzir um Primeiro estranha-se, depois entranha-se quase perfeitamente, mas vai desconhecer o contexto deste slogan criado por Fernando Pessoa para um anúncio da Coca Cola em Portugal que, depois, foi censurada pelo Estado Novo. Interessa para o propósito da tradução? Depende, mas optar pela tradução At first it’s strange, then it’s understandable da máquina é de uma pobreza…

Não queremos problemas. Queremos soluções. Então, como abordar esta situação e sair por cima? Uma solução passa por utilizar expressões semelhantes e com o mesmo significado nos dois idiomas; utilizar expressões com o mesmo significado, mas escritas de forma diferente; parafrasear e apenas transmitir o significado sem recorrer a expressões; ou omitir, mas apenas em último caso.
Não existe uma solução que funcione com todos os projetos ou um One size fits all, portanto caberá ao profissional optar pela melhor solução no momento, tendo em conta outros fatores, como o tema ou o público-alvo. Temos a certeza de que omitir ou domesticar as expressões e trocadilhos de Terry Pratchett, em Discworld, seria empobrecer o texto de partida, mas decorar as traduções de Haruki Murakami ou de Khaled Hosseini com notas de tradutor a explicar determinadas expressões ou situações é de uma riqueza que abre as portas ao leitor para outras culturas. Enfim, é como se costuma dizer: não é nada pêra doce.

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