O que diferencia uma língua e um dialeto

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Um mesmo idioma pode ser partilhado por diferentes comunidades ou países, mas a distância da geografia e diferenças nas populações e respetivas normas culturais levam ao surgimento de formas diferentes de utilização da língua. São estas diferenças que levam ao crescimento de “ramos” a partir de um tronco comum – mas a partir de que ponto é que podemos distinguir uma língua de um dialeto? E como é que esta questão pode afetar o trabalho de  tradução e interpretação?

A verdade é que, à primeira vista, existem poucos elementos no “mundo real” que nos permitam fazer esta distinção com clareza. Podemos estabelecer algumas categorias, que estão sujeitas a interpretação, mas que de qualquer forma são úteis para reconhecer a variedade linguística dentro de um idioma e as ligações existentes entre diferentes  idiomas.

De um modo geral, os linguistas estabelecem três categorias dentro de um idioma:

Sotaque – uma variação puramente fonética dentro de uma língua. Corresponde, por exemplo, às diferentes formas de pronunciar vogais nas várias regiões de Portugal (mais fechadas em Lisboa, mais longas e arrastadas no Alentejo, etc.). Estas variações não levam, no entanto, a nenhuma alteração na escrita (partindo do pressuposto que estamos a falar de uma língua com sistema escrito) nem na compreensão mútua entre falantes.

Dialeto – a partir do momento em que, para além da fonética, existem diferenças de vocabulário e estrutura gramatical entre grupos que falam um mesmo idioma, podemos começar a falar de dialetos. A título de exemplo, o português falado em Portugal é diferente do utilizado no Brasil ou em Angola, diferenciando-se pelo uso de expressões idiomáticas e vocabulário diferenciados e pelo favorecimento de algumas normas de gramática em detrimento de outras (visível em questões como os pronomes pessoais ou utilização de gerúndio). No entanto, existe pouca dificuldade de compreensão entre falantes destas variedades da língua portuguesa. Regra geral, tal como os sotaques, os dialetos correspondem a variações regionais.

Língua – um sistema estruturado de comunicação (verbal e/ou escrita) comum a um grupo ou comunidade – ou vários grupos e comunidades. A língua é um idioma que pode conter variações (dialetos e sotaques) que surgem por razões essencialmente sociais, históricas e geográficas, havendo, no entanto, um “tronco” comum que garante a inteligibilidade mútua – ou seja, comunicação fluída e compreensão mútua entre dois interlocutores.

No entanto, mesmo o conceito de inteligibilidade mútua tem o seu grau de subjetividade – isto porque esta característica pode estender-se além dos sotaques e dialetos, podendo surgir entre idiomas que são considerados, a todos os níveis (académico, social, geopolítico), línguas diferentes. Esta questão surge essencialmente com línguas onde existe proximidade geográfica e histórica, como é o caso do português e do castelhano, que partilham vocabulário (como “mar” e “sol”) e semelhanças nas estruturas gramaticais, permitindo a comunicação entre dois interlocutores. As línguas escandinavas são um caso semelhante: como salienta o linguista norte-americano John McWhorther num artigo para a revista The Atlantic, apesar de o norueguês, o sueco e o dinamarquês serem oficialmente consideradas línguas separadas, a verdade é que, devido às suas origens históricas comuns, os falantes nativos destes idiomas conseguem mesmo vezes manter conversas com bastante complexidade. Daqui surge a noção de “contínuo” linguístico, em que as fronteiras entre língua e dialeto se esbatem.

Para se ter sucesso em projetos de tradução que envolvam dialetos (bem como de idiomas pouco conhecidos), um tradutor profissional deve possuir algumas valências essenciais:

– O tradutor deverá ter um conhecimento técnico profundo da língua de partida e da língua de chegada. Isto garante que o tradutor terá de base um conhecimento empírico das variações existentes nos dialetos e sotaques da língua.
– Este conhecimento aprofundado deverá estender-se à história da língua e da respetiva cultura (ou culturas, no caso de línguas transnacionais) de forma a poder entender particularidades e referências mais obscuras derivadas das diferenças entre dialetos. A falta de consciência destas questões pode levar a problemas de interpretação da mensagem.
Familiaridade com o assunto da tradução ou interpretação: fazer um trabalho de interpretação num debate ou conferência onde surgem expressões idiomáticas próprias de um dialeto pode ser uma tarefa complicada. O mesmo poderá, por vezes, aplicar-se a traduções de terminologia técnica.
– Um bom “ouvido” e uma afinada sensibilidade linguística que permita ter a capacidade de decidir quando manter uma tradução mais literal ou quando usar a criatividade e adotar soluções linguísticas próprias de uma variante do idioma.
– Uma noção bem definida do conceito de “contínuo” linguístico entre idiomas e as suas variedades: esta realidade pode em alguns casos dificultar a tarefa da tradução – por exemplo, o caso das palavras homófonas em línguas latinas que assumem significados diferentes nos vários idiomas – ou, em alguns casos, simplificá-la – o que sucede quando surgem expressões pertencentes a dialetos diferentes mas que são facilmente compreendidas por todos os falantes do idioma de base.

O reconhecimento desta riqueza linguística ajuda os tradutores a tornarem-se melhores profissionais, mais conscientes das nuances e contextos das línguas e das suas variações.